O Demónio do Ouro - 1ª parte
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filhos, se os tinham. Ja vês que eu so <tinha> [↑poderia com] rasão <de me> espantar[↑-me] que o amante de Carlota e pai de Manoel desamparasse a mãe no leito da morte e o filhinho no berço da mais desvalida infancia. Ora tu q̃ és padre, e <bem> conheces os teus collegas bons e mãos [1 máos], deves em consciencia procurar o pai do orfaosinho q̃ eu la tenho, e dizer-lhe que lhe dê um caldo pelo amor de Deus, pelas angustias q̃ soffreu Carlota, e pelas lagrimas da fome e [1 e do] frio q̃ a creancinha tem chorado.
As ultimas palavras ja foram arrancadas pr entre soluços.
Padre Bento, mais estupefacto do que commovido, preparava-se para refutar a indirecta allusão, quando o <mestre-escola> [↑professor], estendendo o braço, até lhe quase tocar com a mão nos beiços, disse:
– Não me respondas agora, Bento; falla á consciencia do padre, e n’outra occasião me responderás. Adeus.
E, <estugando> [↑apertando] o passo, desappareceu da vista do outro[1,] que ficou immovel por largo tempo com o queixo encostado á bocca da arma.
Passados vinte minutos, os caens latiram <no *asso> dentro d’um sovereiral, que entestava com uma vasta clareira tapetada de <lestas> [↑lestras] e urzes <em flor>. Quase simultaneamte estrondeou a detonação de um tiro, seguida de brados e silvos com que os caçadores costumam dar <brio> [↑alor e brio] aos cães.
João Verissimo olhou do <alto> [↑topo] de um<a> <colina> [↑cêrro] para <outra onde se rarefazia> [↑a encosta de outr<a>/o\ onde se desenovelava] a fumarada do tiro, e <viu> entreviu o padre Bento, saltando de rochedo em rochêdo, <na espreita> [↑na piugada] provavelmte de um coelho ferido com que elle esperava cevar o seu remorso, e armar intrada ao demónio da tarde na onda do vinho, como dizia o epigramatico Tiburcio.
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III
– Achaste o pai do rapaz? – perguntou Luiza, galhofando.
– Achei.
– Sim<?>/!\ então quem é ?
– Sou eu.
– Salvo seja! Ainda mais essa! Olha se me mettes em caza mais uma bocca!...
– E mais uma alma, que Deus confia á tua caridade, Luiza [– respondeu mansamte o marido][1.]
– Ó homem, tu não vês que todo o teu ganho são <sete> [seis] vintens por dia?
– Bem sei.
– E que tens uma filha com dois vestidinhos velhos?
– Bem sei.
– E então? [↑Sabes isso, e] trazes para caza um rapaz que hade comer e vestir?! [Que me melem, se tu estás escorreito, homem!...]
João Verissimo amparou [↑entre as mãos] a face cahida pa o seio, meditou dolorosamente, e offereceu a Deus o coração para que lh’o resguardasse das rasões penetrantes da mulher.
E ella, comprehendendo compadecida o silencio do marido, abeirou-se d’elle com brandura, e disse-lhe:
– Não te afflijas… <Queres tu> Olha, João <?>/,\ deixa ficar o rapaz, que elle me ajudará a dobrar a[s] <linha> [↑meadas]; e, se eu heide perder tempo na rua, vai elle aos recados. Deixa-o ficar… Deus bem sabe q̃ somos pobres; hade ajudar-nos…
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– Boa rapariga! – disse o mestre-escola estreitando-a ao seio – [↑Ouviu-me Deus…] Onde está a nossa Eulalia?
– Está no quintal a ensinar o <abbc> [↑Abêcê] ao Manoel. Ainda ha pouco veio dizer-me que elle ja sabe nove lettras.
– Já sabe doze! – exclamou a festiva menina, assomando á porta – Ó meu pai, que rapazinho tão esperto! É um gosto ensinal-o!
– Então queres q̃ elle ca fique?
– Tomára eu… – disse Eulalia.
– E comer? Bem sabes q̃ somos pobres, filha!
– Ai! elle não come quase nada… Do caldo q̃ a mãe lhe deu ao almoço <so> comeu [↑somente] metade… <Quer> [↑Olhe] uma coisa… eu reparto com elle d<a>/o\ <minha ração> [↑meu quinhão,], <não> quer, meu pai?
– E vestir? – perguntou <o pai,> [↑João Verissimo,] beijando-a, e amimando-lhe as faces.
A menina reflectiu alguns segundos, e disse:
– Eu arranjo…
– Que arranjas tu?
– Vou pedir á minha madrinha da caza das Agras q̃ me dê a roupa <d>/v\elha dos fidalguinhos…
– Lembráste bem, meu <anjo> [↑amor]! – aprovou o pai – os Ferreiras de Mello das Agras são coraçoens <dignos das supplicas dos> [↑que intendem a lingua dos anjos fallada pelos] teus labios innocentes… Pois seja assim: irás á tarde com o pequeno a caza de tua madrinha, e ja de la o trarás vestido de ponto em branco. <Falta uma couza. Como hade ser a cama? Dize la tu, Luiza…
– Eu isto…
– Então dize tu, Eulalia, se tua mãe †.>
[↑Assim se fez.]
<O pequeno> Era ja um galante menino, a entre-mostrar nas feiçoens mimosas, posto que <requei>[↑tis]<m>/na\das do sol, a belleza <d’aquella Carlota das †> <Courellas> da mãe. Assim o <dizia> [↑confessava] Luiza, que a tinha conhecido, na flor
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na flor dos annos e da virtude, não sem inveja da primazia q̃ os rapazes davam á das Courellas, quando as duas <sécias> [↑mocetonas] pr aquellas romarias de entre Ave e Cavado, andavam á <porf> compita de qual mais conversada.
O professor esperou alguns dias o resultado da conferencia de padre Bento com a consciencia do pai de Manoel<, mas passaram mezes sem que na mão de Verissimo luzisse uma moeda de>. João Verissimo confiára quase nada da uncção e delicada censura de] suas palavras; mas, ainda assim, apostaria que o <padre> [↑levita], guardadas as cautellas <†> competentes ao seu officio, socorreria o rapazinho, <tanto por> quando mais não fosse, por se <eximir> esquivar aos perigos de <mais> averiguaçoens sobre a paternide do filho de Carlota.
<Falharam>[↑Baldaram-se]-lhe todas as conjecturas. Padre Bento da Mó <continuou a> procedeu como os homens de bem que entregam á revelia as calumnias, e appellam da iniquidade dos homens para o fôro da consciencia propria. Ninguem pensaria outra coisa, ouvindo-lhe as missas tão pausadamente meditadas e aquelles gestos arrobados de <cenobita da Isthia> [↑eremita] ao voltar para o povo a cara <inlevada no> <[↑bandeada]> [↑escandecida dos] fervores internos.
O alferes de Cima-de-Villa, obrigado pela palavra, perguntou por escripto ao mestre se o padre dera de si – phrase bem posta, á qual João Verissimo respondêra com evasivas para não dar azo a que o lavrador divulgasse a sovinaria immoral do seu condiscipulo. E o lavrador, optando pela hypothese de q̃ padre Bento dera de si, dispensou-se <elle> de dar alguns graeiros da sua tulha.
Ficou, pois, o orfão <*car> de todo em todo filho da caride de João Verissimo, bem-quisto de Luiza, e querido de Eulalia como se fosse sua irman.
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O menino cumpria obrigaçoens de criado, sahindo ás modicas compras, barrendo a aula, espanando os bancos e as mezas, [↑regrando o papel dos traslados,] e estudando <em quanto> ao mesmo tempo q̃ moirejava na caza. Admirava-se o mestre da memoria do rapaz; mas ainda mais da intelligencia com q̃ <fazia fructificar> [↑devolvia em ideias] as <suas> <ideas> formulas apprendidas de cor. De si comsigo reparava <o mestre> João Verissimo na dissimilhança que distanceava tanto a cabeça do padre Bento da cabeça do orfão<,>[:] <sem com isso> desconcertos da natureza que <*afirmara dar rasão a Luiz de Camoens> faziam la certas implicancias no animo de João Verissimo; por q̃ elle acha<va>/ria\ mais bem concertado o mundo[1,] se os troncos podres não abrolhassem gomos viçosos.
– O Bento da Mó – disia elle <a>/á\ <Luisa, q̃ nada intendia, desde q̃ o marido <lhe quizera incutir> intentara dar-lhe alguma <lev> leve> mulher – foi sempre muito bronco; deu-me mto trabalho a convencêl-o <de q> de que <era mais acertado escrever> <assignando-se> chamando-se Bento[1,] não devia assignar-se Vento.
– Mas Vento é como se diz – observou Luiza q̃ desde os seus tempos de sécia apprendéra com as senhoras de Geraz a protestar contra a gallegagem do b em <b> vom, em vagem, em vavoso, em vavugem, e finalmente em Vento.
João Verissimo discorreu, mas não illustrou a mulher, nem a convenceu da incapacidade <d> intellectual do padre tão inversa da aptidão do filho[1.]
Entretanto, Manoel, que adoptara do seu bemfeitor o apellido de Vieira, assim que pôde escrever o seu nome, na escripta, q̃ então chamavam materia, <adiant<ou>/ava\-se> [↑avantajou-se] a todos os seus condiscipulos, a termos de, na volta dos nove annos, ser elevado á honra de decurião da 2ª classe. <O> <Na> [↑Em] arith<e>metica ninguem lhe fazia sombra, nem o proprio mestre, q̃ se prezava de saber
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quebrados a preceito, lhe emendava um algarismo.
Esta precoce aptidão do mocinho valeu mto ao <seu> mestre <n’uma> [↑na] infermidade que o teve de cama um inverno inteiro. Era Manoel quem ensinava o rapasio [1 os rapazinhos] <da s> em tudo que João Verissimo podéra instruil-o, tirante os discursos religiosos com que, aos sabbados, [↑o professor] explicava a doutrina.
Durante a longa doença <,o> de seu marido, Luiza vendêra dois cordoens e arrecadas, q̃ em solteira ganhára na tecelagem, para supprir ao cirurgião e á botica. Desfizera-se tambem de parte do seu bragal q̃ lhe havia custado o pão da bôcca, e tudo fôra insufficiente para q̃ se não empenhasse com alguns lavradores, pais dos discipulos de seu homem.
João Verissimo ergueu-se em maio de 175<6>/2\; mas tão quebrado de corpo e alma que mais parecia erguer-se com saudades da morte. Via-se mto pobre, mto duvidoso da convalescença, e sobre tudo desesperançado de poder restituir á arca de Luiza o oiro e o linho. Aquella honrada paciencia com q̃ elle se aguentára na pobreza relativa parecia ainda amparal-o; mas escondia-se para chorar; e, chorando, balbuciava o nome da filha como quem offerecia a Deus as suas oraçoens <certificadas> [↑recommendadas] pela innocencia de um anjo.
Examinando os seus discipulos, elogiou Manoel na prezença d’elles, <em um vehemen> com tão sensibilisado louvor q̃ o abraçou, dizendo que os meninos haviam ganhado com a substituição, e o substituto ganhára tambem a eterna gratidão de seu mestre.
Voltou João Verissimo a reger a escola; porém
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poucos dias exercitou o pezadissimo encargo q̃<1,> d’antes lhe fôra tão agradavel.
Afora a extenuação da convalecença mal alimentada, o professor principiou a queixar-se de que via uma nuvem ao redor dos objectos brancos, e grande infraquecimto de vista em ambos os olhos<,>/.\<e a mezes> No discurso de dois mezes, o nevoeiro <espess> condensou-se a ponto de ja mal divisar as coisas alumiadas <pela> por <a> claridade brilhante. Por fim, apenas entrevia os contornos dos vultos, que se lhe figuravam erradamente na distancia.
Cegou aos trinta e trez annos de idade.
So por Deus se percebe a conformidade com que João Verissimo assistiu áquella morte da vida exterior, ao vasquejar da luz, que de todo se lhe apagou, <g> fechando-lhe no seio da treva as imagens de Luisa, de Eulalia, e de Manoel, o grangeador do pão mesquinho de sua familia! Se ouvia o imprudente soluçar da mulher, pedia-lhe que não chorasse, por q̃ elle sentia consolaçoens interiores e <vagas> esperanças mto seguras de tornar a ver. Se a filha, ja mocinha de treze annos, lhe orvalhava a mão tremula de carinho, o pai aconchegava-a do seio, beijava-lhe a face, tateava-lhe as feiçoens, anediava-lhe os cabellos, e dizia-lhe <em segredo que> [↑que a estava] vendo, tal qual era, com a vista do coração. E sorria-lhe, <qdo os branc> como nos sanctos dias da paz, da saude e do trabalho.
Ás vezes, amparado no braço de Manoel, ia á escola, assistia silencioso ás lições, rolava os <globolos> olhos cinzentos <nas orbitas > para o lado donde lhe soava a 2voz <do> 1infantil do seu orfão, q̃
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tartamudeava na prezença do mestre. Aos sabbados <exercia> [↑exercitava] as suas <p> antigas praticas, discorrendo, <mais> [↑com] mais levantado espirito <, do> q̃ d’antes, á cêrca dos precarios bens da vida, exaltando a paciencia á supremacia de virtude principal, donde derivam tod<a>/o\s <as fontes> [↑os meandros] que reverdecem a alma esterilisada pela desgraça. Os discipulos raramte o percebiam. Alguns tosquenejavam com somno; outros cochichavam com os seus convisinhos, e Manuel, quer o perceber-se quer não, [en]fitava-lhe[,] nos olhos apagados, os seus nubelados [1 nublados] de lagrimas.
Na correnteza destes sucessos, um padre de Fonte-Arcada, avisado da cegueira d<e>/o\ <João Verissimo> [↑mestre de Lanhoso], <e>/t\omou o pulso ao seu saber, e achou-se bem rijo de intelligencia para <requerer a <†>> abrir escola <do cego>5 . Esta noticia perturbou o animo de João Verissimo, e talvez o prostrasse, a não lhe ser preciso accudir aos clamores afflictos da mulher. Pediu-lhe ella a brados que fosse em pessoa <p>rogar ao padre que <não requeresse a escola.> [↑desistisse do proposito de lhe tirar os discipulos.]
A isto respondeu o cego q̃, se <mendi> sahisse a <ped>mendigar, não iria pedir o pão a quem lh’o quizesse tirar.
Esta palavra “mendigar” [1 mendigar] arrancou um convulso gemido do peito de Manoel Vieira. É por q̃ elle tinha mendigado: sabia que <a esmola> [↑o pão], dad<a>/o\ sem caridade, traz peçonha que precisa ser diluida nas lagrimas. Viu-se, sete annos antes, á porta dos lavradores, que o achavam muito [↑novo e] franzino para criado, e, ao remeçarem-lhe uma côdea não invejada dos mastins, lhe
5 Passo de difícil representação, com as duas adições, abrir e escola, na sobrelinha. Eis as etapas de escrita:
1 - para requerer a prebend
2 - para requerer a prebend escola do cego
3 - para requerer a prebend abrir escola do cego
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bradavam: “Vai guardar umas cabras, vadio!” [1 Vai guardar umas cabras, vadio!]
Entretanto, o clerigo de Fonte-Arcada abriu aula, e para logo os rapazes mais <proximos> [↑e menos visinhos] desta freguezia mudaram de mestre, a contento dos pais que desdenhavam <da> [↑a] capacidade do filho da [↑Carlota das] Courellas para ensinar os condiscipulos [↑que o não respeitavam e, pr inveja, o escarneciam]. Diminuiram <tanto> [↑de repente] os estipendios de João Verissimo, [↑e de tal sorte] que, a 1poucos 3passos 2mais da desgraça que andava depressa, <a fome estava batendo apoz a cegueira, e desesperação> [↑houve fome em caza do cego.]
IV
<Luiza e Eulalia, abonadas pelo padrinho da pequena, <montaram> [↑armaram] theares na sala onde fôra escola.>
João Verissimo despedira os poucos discipulos que, movidos de inutil compaixão, o não tinham abandonado. Era preciso aproveitar a sala da escola <armando> na armação de dois teares, para [↑Luiza e] Eulalia.
Manoel viu acabar a escola, e <não> faltou-lhe animo para perguntar se devia procurar sua vida n’outra parte; mas bastou-lhe intendel-o assim nos olhos <lagrimosos> [↑chorosos] de Eulalia, e no geito [1 gesto] com que o fitavam, quando os mocinhos[↑, ao despedirem-se,] beijaram pela ultima vez a mão do cego.
João Verissimo deu-lhes um adeus soluçado de termos carinhosos, recommendando, a cada um por sua vez, que 2<se es>/deix\assem 1embora esquecer o pouco saber q̃ d’elle tinham apprendido, nunca se esquecessem dos <preceitos> seus conselhos de vida honesta, <o>/m\ais precisos á vida feliz do q̃ a sabedoria. Depois, acrescentou:
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– Vem tu agora cá, [↑meu] Manuel.
O rapazinho abeirou-se d’elle, beijando-lhe a mão com q̃ o cego lhe apertára a sua.
João Verissimo proseguiu:
– Não podes continuar a viver connosco, menino. Tens treze annos; podes ja <trabalhar na> ir grangeando o pão do futuro. Nesta caza é que não tens futuro nenhum. Entraste n’ella com fome ha seis [1 sete] annos, e sais com fome. Em quanto houvesse n’ella algum escasso passadío, mto me custaria separar-te de nós; mas tu, bem vês, filho, minha mulher e Eulalia vão tecer para me sustentarem; e, se os ganhos não derem para tanto, eu, abordoado ao cajado de cego <pedinte>, irei <mendigar> [↑pedir].
Manoel orvalhou de pranto as mãos do mestre, murmurando:
– Não diga isso… Irei eu, que já pedi…
– Hasde ir, hasde, mas <a onde eu te vou di> irás ainda uma vez pedir para ti. Vais d’aqui [↑ámanhan <cedinho> cedo] a Rendufinho, a caza do sñr padre Bento… Conheces o [↑sñr] Padre Bento <?>[Ribro?]
– O da Mó?
– Sim, conheces?
– Conheço, sim, sñr. Algumas vezes me mandou dar uma tigela de caldo, quando me via sentado á porta do quinteiro.
– Bem, isso é bom agouro para o <nosso> <bom> [↑feliz] resultado do meu plano… Elle tractava-te bem, Mel?
– <Nem bem nem mal…> [↑Dava-me o caldo…]
– Pois, querendo Deus, hasde ser bem succedido. Tu chegas la, e dizes-lhe q̃ és o filho da Carlota das Courellas. Pergunta-te elle [↑então] o q̃ queres, e tu r<i>/e\spondes q̃ eu te ensinei a ler, escrever e contar a fim de te guiar para a vida
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do negocio.[1...] Intendes?
– Sim, sñr.
– Falla-lhe com desembaraço, ouviste? Mostra-te espertito [1 espertinho] como és para q̃ elle sinta vontade de te proteger. Depois, contas-lhe a verdade: q̃ eu ceguei, e despedi os poucos discipulos q̃ me não deixaram; que te quero mandar para uma loja do Porto ou de Braga; mas que nem tenho conhecimentos, nem se quer o bastante para te arranjar enchoval. Toma bem sentido…
– Sim, sñr.
– Se vires q̃ elle te escuta com attenção, diz[e]-lhe q̃ a tua vontade era ir para o Brazil, onde o sñr padre Bento da Mó tem <um irmão mto> [↑parentes] rico[s]; e então pede-lhe por alma de seu pai q̃ [1 pede-lhe, que por alma de seu pai] te pague a passagem, [↑como emprestimo,] que tu lá irás saldando no Brazil com os teus ordenados quando ja fôres caixeiro. Dize-lhe tudo isto, Manoel, com a tenção de cumprires a tua palavra, e vê o que elle te responde… Mas q̃ é isso?! estás a chorar, rapaz?
– Vmce não tem rasão de queixa de mim... – <tartamudou> [balbuciou] Mel – Quer q̃ eu va para o Brazil, e não o torne a ver…
– E, se me não tornares a ver, filho, pede a Ds por mim como eu lhe pedirei por ti. Quero q̃ vás, por que me <diz> [↑adivinha] o coração que hasde vir a ser ainda o amparo da minha pobre familia, q̃ tambem é tua. Lembra-te sempre de Eulalia como de tua irman e d<e>/a\ mãe d’ella como se fosse a tua. Deves querer ir, Manoel, por amor de nós; não é somente por amor de ti. Convence-te de q̃ tens á tua conta amparar trez pessoas mto pobres, e irás
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alegremente. Vês tu? [parece-me q̃] ja não choras!... Ora, dá-me ca um abraço, e vai dizer a Eulalia que não chore, que eu bem a ouço soluçar.
Manoel foi á cozinha, onde Eulalia, sentada no escabello, abafava os gemidos no avental. Sentou-se junto d’ella, e articulou algumas palavras <qua> afogadas por lagrimas. <O rapa> Chegou Luiza neste comenos e chorou com elles; mas, <como> [↑ao] senti<sse>/re\m <pelo> avisinhar-se o cego, callaram-se todos, como se mutuamte se pedissem compaixão pr elle. Chegou-se João da [1 à] lareira, e disse risonho:
– Venho <ver>[↑farejar] que acepipes ca tens no borralho á espera do appetite, Luiza…
– Alguns ha, João… <Tens ali ovos cozidos>
– <Lagrimas> Lamentações? Antes isso q̃ alguma iguaria indigesta.
– Tens ovos e toicinho, gostas?
– Isso é mto melhor q̃ <lagrimas> [↑ tristezas]; mas quantas [↑lagrimas] te custou esse jantar?
– Se custou algumas foi ao Manoel – disse Luiza.
– Ao Mel? <onde arr> onde foste buscar isso, menino? Elle está aqui, o Mel, não está?
– Estou, sim, sñr. <Estes> [↑Os] ovos e o toicinho deu-m’o o Jose da Fonte a trôco de seis traslados q̃ eu lhe fiz hontem para elle copiar.
– Está bom, está bom; mereceste bem a paga. A tua lettra é mto bonita. Ja vais tirando proveito das tuas prendas.
– E, se vmce me der licença – tornou o rapazinho – ensino os quebrados ao <sñr Jose>[↑Joaqm] da <Fonte> [↑Gaivota] q̃ me dá todos os dias <quatro *reaes> alguma cousa.
– O que eu quero é o que ja te disse, Mel. Desde ámanhan em diante nem eu nem tu pensamos senão em te ires <buscar a>[↑á cata da] tua vida no negocio. Levanta-te cedinho pa vires almoçar. E tu, Eu-
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lalia, [↑,em vez de chorar,] pede a Deus que Manoel <ache> [↑encontre] a caride que vai procurar. Lembrai-vos ambas de que eu estou morto, ou peor q̃ morto; estou em sepultura de trevas; mas sento-me comvosco á meza, onde o vosso trabalho me alimenta. Quem está vivo é este menino, de quem eu espero o que um pai espera do filho mais amoravel. Não lhe tireis as forças com as vossas lastimas. Deixai-o ir, se a sua boa estrella estiver onde eu cuido que ella está.
Ao primeiro lusir da seguinte manhan, Manoel vestiu o seu <fatinho> [↑fato] de cotim, e foi <pa>[↑a] Rendufinho, onde não voltára desde que a <†> piede de João Verissimo o remiu de mendigar á porta dos lavradores.
Bateu ao portal de padre Bento, e soube que elle tinha ido para a egreja dizer missa. Foi á egreja<1,> e ajoelhou a pedir a Deus que lhe desse força para deixar o cego, e a pobre familia que <lhe dera abrigo e educação> [↑o abrigára e educára]. No templo estava elle só, e algumas mulheres idosas. [§] Era em <tempos> [↑estação] de maior sáfara agricola. Homens e raparigas andavam a sachar e a mondar nos milharaes. Acontecia, n’aquella <estação> [↑sasão], não haver pessoa que ajudasse á missa, quando os padres se não ajudavam uns aos outros como interessados q̃ eram de resgatarem do fogo <alma> do purgatorio almas, a seis vintens. N’este dia, padre Bento por mtas vezes tinha vindo ao arco da capella-mor <em bus> á procura de quem podesse gargarejar com elle o latim do sacrificio incruento. Ralava-o a impaciencia de ir para o monte, sabendo de ms a mais q̃ outro clerigo seu visinho lhe andava na pista de uma galinhola. Como fosse intardecendo, <e receasse que aq> resolvêra ja não dizer missa, qdo[34]
deu tino de entrar alguem. Sahiu á porta da sacristia e viu o rapasito desconhecido, orando, la em baixo ao pe da pia da agua-benta.
– Ó <pequeno> [↑rapaz]! – bradou elle la do altar mór – sabes ajudar á missa?
– Sei, sim, senhor.
– Louvado seja Deus! tão novinho! – murmura[↑ra]m as devotas banhadas de consolação <por se <considerarem> [↑verem] mais> [↑ na esperança de darem] ás suas almas [↑em jejum] o pasto sancto da missa d’aquelle dia.
[– Então vem cá – disse o padre.]
Manoel foi á sacristia, e beijou a mão do <padre> [↑sacerdote], como la se usa com estes pais espirituaes – bom costume q̃ é mtas vezes a manifestação implicita dos deveres dos filhos pa com os seus pais organicos.
Padre Bento <fitou-o com> da Mó <quase sem o ver esconço> olhou-o de soslaio, e perguntou-lhe:
– <Tu> <d>/D\onde és tu?
– Sou ca da freguezia.
– És ? eu não te conheço! – tornou o padre reparando.
– Ha seis annos q̃ sahi de cá.
– Então de quem és?
– Sou filho da Carlota das Courellas, Deus lhe falle n’alma.
O padre <fitou-o> [↑encarou-o] sem sobressalto<1,> mas [1 e ]com certo ar de curiosidade.
– Tu não estavas em caza do João Verissimo, <em> na Povoa?
– Sim, sñr. Elle cegou…
– E <vieste ate> sahiste de lá?
– Não, sñr; vim a Rendufinho… á conta de fallar com <vmce > <o snr> [↑vossa] mercê.
– Mandou-te cá o teu mestre? [ – acudiu o padre, <mudando de rosto> carrega[↑n]do o sobrôlho.]
– Sim, sñr. Vim… a…
– Então que queres? – interrompeu o padre,
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enfiando a alva, que o rapazinho lhe aconchegava da cintura, apanhando-a em refêgos, [↑debaixo do cingulo] de [1 por] modo q̃ a orla cahisse <1 por> egual nos artêlhos do levita.
– Eu direi a vossa mercê depois da missa – respondeu Manoel, algum tanto desanimado com o ar desabrido das perguntas e dos gestos.
Padre Bento levava para o altar o espirito azedado de conjecturas, e talvez de rancor a João Verissimo. Notaram as devotas q̃ elle, neste dia, ingrolára a missa mto depressa, e andava muito <saccudido> [↑atabalhoado], á imitação de certos padres em qm ellas não tinham fé. Ao virar a sua cara <ser> pa os fieis, padre Bento não dava <idea> [↑semelhanças] de cherubim, nem de serafim: era padre, e mais nada n’aquelle dia. <Estavam privadas as mulheres> [↑Comsummado] o sacrificio, e <despida> desrevestid<o>/as\ as sagradas vestes, o <padre> [↑sacerdote] encostou-se ao gavetão dos paramentos, e perguntou:
– Dize la então o q̃ queres <?>/.\
Manoel expoz<,> com bastante embaraço [↑e [1 e com] os olhos no pavimto] o recado q̃ apprendêra de João Verissimo, sem ser interrompido.
Quando o pequeno se calou, <e> padre Bento meditou alguns momentos<,>/.\ <não> É natural que nest<as>/a\ meditação intrasse o contentamto de se não ver [1 de não ser] descoberto pelo seu condiscipulo ao filho da Carlota das Courellas; mas, ao mesmo tempo, inquietava-o o receio de vir a ser divulgado pai do rapaz, se se recuzasse a beneficial-o, por aquelle <mmo> <proprio>6[mmo] que <o> [↑na] sua admiravel prudencia o estava <mesmamente> [↑propriamente] amiaçando. Pagar-lhe, porém, passagem pa Pernambuco e recomendal-o ao[s] <irmão> [↑ parentes], <isso é que nem a caridade> [↑ a tanto não o obrigavam] a caride de homem, nem o coração de pai, nem
6<mmo><proprio>: as duas palavras parcialmente borradas de tinta.
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o temor do descredito.
Destes raciocinios, apressados pela seducção do almoço e <1 a> cobiça da galinhola, sahiu com esta sêcca resposta:
– Dize lá ao teu mestre que eu dinheiro para pagar-te a passagem não o tenho, por que <estou no comêço da vida> [↑tenho [1 está] o milho todo nas tulhas, e o vinho nas pipas;] mas q̃ te dou alguma coisa para ajuda. Que mande ca buscar uma moeda de ouro, q̃ é o mais q̃ posso dar-te.
Voltou Manoel com a resposta, e ia alegre. A falta de recursos detel-o-hia <na caza entre> entre a famª, que lhe parecia mais <doce no lar a miseria> sua qto a <miseri> fome o obrigava a trabalhar no serviço d’ella. Depois, com a moeda de oiro [1 ouro], iria <elle> procurar patrão a Braga ou ao Porto, d’onde [1 onde] podesse ter a miudo cartas em q̃ Eulalia lhe falasse de si e de seus pais. Estas rasoens deu-as o pequeno a João Verissimo, q̃ lh’as ouvia [1 ouviu] com tristeza, murmurando a intervallos:
– Ah! padre! padre!...
– O <pe>/ra\paz tem rasão… – disia [1 interveio] Luiza – <Bom Brazil é Portugal> Em toda a parte é Brazil para qm quer trabalhar. Deixal-o ir pa Braga ou para o Porto.
– Quem conheces tu la, mulher? [1 !] [↑<– interrompeo]> – contestou o cego –] a quem havemos de o mandar? Tu cuidas que Mel chega a qualquer dessas cidades, e, sem protecção nem recommendação de ninguem, encontra patrão q̃ o aproveite? Valha-nos Deus… Como hade ser isto? a quem recorreremos?
– Eu arranjo… – <disse> exclamou Eulalia[1.]
João Verissimo voltou a face risonha para a filha, e disse:
– [↑Tu arranjas tudo, rapariga!] Então que arranjas tu? <En>/Pe\des ao teu anjo-da-guarda q̃ vá com o <teu> Manoel?
– Peço ao padrinho das Agras q̃ me dê uma carta para alguem de Braga ou do Porto.
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– E lembráste bem [↑, filha.] Vai la com elle. <Vocês contem-lhe que estamos> Não se perca tempo.
<O expediente> <Dura> Sahiram juntos os dois pequenos<,>/.\ <e durante um longo espaço não se diss> Ao caminharem vagarosamente, paravam de vez em quando, silenciosos, enchugando os olhos. Outras vezes, <acel> apertavam o passo, <reanimados> [↑alentados] por alguma doce fantasia q̃ a esperança lhes pintava. Depois, <retardavam-se> [<paravam> quedavam-se] outra vez <recahidos em tristeza> [↑reconcentrados em triste meditação,] até q̃ ella, ou elle, rompia nestas expressoens reanimadoras:
– Havemos de tornar a viver juntos!
– Assim que eu ganhar alguma coisa – disia Manoel [↑com <pre>/pa\ssagra jovialide ] – venho <pôr uma> [↑pôr] loja na Povoa. Eu tenho treze annos; d’aqui < a sete> [↑a trez] ja <eu> sou caixeiro; depois, com mais trez, arranjo dinheiro para <pôr> [↑abrir] a loja. Tu verás, Eulalia… Verás, que d’aqui a seis annos, <estamos> [↑ja tu] não hasde estar <n>/a\ tecer nem tua mãe. Ponto é que Ds me ajude…
– Tu depois esquéceste de nós… – murmurou Eulalia.
Manoel respondeu com soluços q̃ o abafavam. Aquella offensa <fazia-o> [↑doêra-lhe] mais [↑do] que <a angustia> [↑a <dor> violencia] d<a>/o\ <separação> apartamto.
Eulalia abraçou-o com lagrimas de arrependida; pediu-lhe perdão, [↑desculpando-se com o amor q̃ lhe tinha,] e prometteu nunca mais <o> <dizer semelhante cousa> o magoar com semelhante desconfiança.
Nestas [↑maviosas] alternativas, chegaram a caza dos Ferreiras de Mello das Agras. Foi Eulalia quem deu o recado entre dorida e alegre, e logo obteve uma carta para um mercador de panos [↑por atacado,] <1 estabelecido> [↑no Porto,] na rua <das Flores> [↑do Loureiro], a fim de que este negociante desse ao <rap>marçano o destino <, que fosse> mais prompto em qualquer ramo de commercio.
[38]
Destinou-se o dia da partida, contando com a moeda do padre Bento para o inchoval, que devia ser pouco maior q̃ o coração do padre.
Foi Manuel a Rendufinho receber a esmola promettida, e soube que o antigo amo de sua mãe andava <fugido> [↑arredio] da <comarca> [↑freguezia] por ter batido com um estadulho <n’um> [↑em dois] lavrador[es] q̃ lhe <matára>[↑ haviam matado] <uma> [↑duas] galinholas dentro da sua tapada. Volveu á Povoa com a ruim nova, e condoeu-se das lastimas q̃ fez o cego.
– Não se afflija Vmce – disia Manoel – que eu tanto vou com <o> dinheiro como sem elle. Pouco me basta d’aqui <1 ate> ao Porto pa comer; e a roupa la m’a dará o patrão, se eu a merecer.
E, como João Verissimo decidisse q̃ se esperasse a volta de padre Bento, o pequeno fingiu assentir, doendo-lhe inganar o mestre, 2adorado e 1venerado como pai.
Havia alli, porém, uma pessoa a quem Mel não queria nem podia enganar: era Eulalia. Contou-lhe em segrêdo que havia de ir, sem despedir-se do pai nem da mãe, por q̃ não tinha animo; e, sem q̃ ella lhe perguntasse como lhe sobejava alento pa despedir-se da sua irmanzinha, o pequeno explicou a sua idea com esta candura:
– Elles ja tem idade e podem morrer sem eu mais os ver, pr isso me não despeço de teu pai e tua mãe; mas tu és nova como eu, e hasde ser viva qdo eu tornar, se Deus quizer…
E, estando ella mto fita nos olhos lagrimosos do seu <triste amigo> companheiro de infancia, Mel acrescentou:
– Se eu alguma vez for rico, tudo q̃ eu tiver é teu. Olha q̃ ainda me lembro q̃ me deste a tua merenda no primeiro dia q̃ eu vim ter a esta caza com fome [1 faminto] e esfarrapado.
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V
Fez o que disséra. Despediu-se de Eulalia, depois da ultima ceia. A mãe da menina viu cahirem as <lagrima>[↑bagádas] de Mel na tigella do seu caldo; mas calou-se para não affligir o marido. A mocinha, ja precavida para o ultimo adeus, também chorava; e, depois da reza com q̃ o cego, [↑como se fosse feliz,] bemdisia a Providencia, <como se fosse feliz,> acompanhou-o ate á porta do seu quarto, abraçou-o, e <abafou os soluços> [↑estrangulou os gemidos,] receando q̃ os pais lh’os ouvissem.
Como não podera adormecer, Manoel Vieira erguera-se antes da aurora para se pôr a caminho. Ja tinha entroixada a sua roupa, que era <ligeir> leve carga. Ao lançar mão da especie de aza que fizera com o lenço em q̃ a infardelára, achou uma bocetinha de papellão. Abriu-a, examinou-a á luz froixa da alvorada, e reconheceu uma cruz de <pau>cobre, q̃ Eulalia <trazia> [↑trouxera] no pescoço, pendente do seu cordão de retroz<,>/.\ <e neste coloc> <encon> <1De> sob o crucifixo estava um papel em que <entendeo> [↑Manoel enxergou] estas palavras: Manoel, não te esqueças de nós, nem tires do teu pescoço esta cruz que te dá a tua irman. O rapazinho beijou o Christo, pendeu-o do pescoço, [↑e] ajoelhou de mãos postas e olhos <fitos n’> [↑absortos em] uma estrella q̃ se esmaiava ao nascente. Resou as sanctissimas oraçoens das lagrimas, levantou-se com a energia q̃ da a fé ás almas innocentes, relançou a vista á volta de si por todas as coisas meio escuras do seu pobre quarto, e sahiu pé ante pé.
Estava ja <na rua>[↑longe de caza,] quando deu tino de lhe ir no encalço <o>[↑um] cão, <<de> que <elle> lhe dera> <seu> que elle havia <encontrado> [↑apanhado] dois annos antes <a escabujar> na corrente do rio, <onde> ja no extremo da vida apenas acabava de nascer. <Aque> Enxug<ou>/ara\-o, aquece<u>/ra\-o, aliment<ou>/ara\-o, <deu>[dera]-lhe o <aconchêgo>[↑gasalhado] da sua cama e assisti<u>/ra\ <com vaidade á>[↑vaidoso á] restauração d’aquella vida, como quem continua[va] a obra do Creador, <imp>estorvada pela crueza de outras creaturas. Depois, <pediu ao mestre q̃ lhe deixasse ter o cachorrinho> assim que o cachorrinho ganh<ou>/ara\ pelagem lusidia, e <ganhado> pegou de brincar, [↑graciosamte] deu-o
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de mimo a Eulalia.
<Ora, o cão, <depois que um amo,> parado d’entre a> <Quando, ao <retirar-se> sahir>
Quando viu o cão, parou, affagou-lhe a cabeça, estreitou-lh’a ao peito, disse-lhe adeus como se nos olhos do irracional reluzisse a intelligencia d’aquella palavra<,>/.\ <e pondo> <como quem pede a> Depois apontou-lhe com imperio para caza, tregeitando o <arremeço> movimento de baixar-se para o apedrejar. O cão estremeceu como espantado da transicção das caricias para o arremêsso, e desviou-se com a cauda recolhida, parando aos poucos, <e> [↑curveteando e] sacudindo-<a>/se\ <com inc> <com[o] <incerta> quem>[entre timido e] alegr<ia>/e\, se Manoel <de vez> tambem parava a vêl-o ir [↑e a incital-o com ameaças].
«Pequenezas!» diz o leitor. – Grandezas, grandezas das mto tristes, e menos falladas <nestes>.
Ao <romper da alva> descahir da tarde, o mocinho chegou a Braga sem fome, por que, a meia-jornada, mendigou á porta de um lavrador que lhe deu caldo, depois de o ter injuriado como vadio.
Em Braga pediu agasalho em uma <taverna> [↑estalagem], onde <casualmte> [↑por felicide] estava um almocreve d<e>/a\ Povoa de Lanhoso, q̃ lhe deu cea e cama na parte da mangedoura devoluta.
Ao raiar da seguinte manhan, Manoel despediu-se do almocreve, que lhe aprovisionou o fardel com alguns alimentos. O rapazinho pediu ao caritativo homem q̃ dissesse a seu mestre João Verissimo q̃ o encontrára de boa saude e satisfeito. E, logo que se apartou do bemfeitor, tirou da algibeira um caderno de costaneira, cosido pela lombada, quase todo em branco, e escreveu, a lapis, o nome do almocreve com a seguinte nota: em 2 e 3 de junho <deu-me> [↑de 17<01>/58\] deu-me de comer em Braga. Deus lhe pague.
<No>/Ao\ < fim>[↑pôr] do <dia> [↑sol] chegou ao Porto, e logo á <A> entrada perguntou pela rua do Loureiro. <De informa> <Lá foi> <No largo> [↓Defronte]