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O Demónio do Ouro - 1ª parte

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d<e>/o\ mosteiro de S.Bento entrou em uma loja de fazendas brancas para obter a vigesima informação. Aproximou-se do <mostrador> <[↑balcão]> [↓mostrador], e esperou que o <mostrador,> [↑logista] lhe attendesse a pergunta.

Estava o <logista> [↑mercador] dobrado sobre o balcão a escrever contas, questionando[↑-as] ao mesmo tempo com outro sujeito q̃ da parte de fora tambem escrevia, riscava, e recomeçava <oper> alguma operação  arithe<t>/m\etica difficultosa[1.]

O mercador, ou não deu tino do rapaz, ou, se o  viu, cuidou ser freguez de tão pouca monta que não merecia attenção.

<Os dois a> Proseguiu a disputa ja acalorada entre os dois á conta de um erro que nenhum sabia emendar. O de caza argumentava a favor da infallibilidade da sua operação, visto que o de fora se considerava prejudicado por ella.

Entretanto, Manoel era todo ouvidos e percepção, <ouvindo>[↑examinando] os dois, e relançando a furto a vista sobre os dois quadernos esgaravunhados de algarismos e <tra> signaes arithmeticos.

No mais accêso da contenda, o de fora <bateu> esmurraçou o balcão, e disse em máo portuguez, mesclado de inglez, uma <forte> grave affronta ao de dentro, collocando-o no dilemma de estupido ou aladroado.

     A questão versava em reduzir ruyders, moeda de ouro hollandeza<s>, a libras esterlinas, e converter estas em moeda portugueza. Pelos modos, a impericia do negociante portuguez corria o páreo com a incapacidade do britannico, por ser aquella uma hora impropria de contas em cabeça e estomagos legitimamte <portuguezes> [↑inglezes]. A differença favoravel ao mercador dava-lhe uma vantagem dobrada sobre a <somma> [↑operação] do <inglez>  [↑outro], que se inraivecia [1 enraivecia] quando o <outro> [↑contendor] lhe bradava:

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– Se eu me engano, <com trezentos diabos>   snr [↑John] Bearsley, ahi tem papel  e penna, faça a conta.

– A conta!  a conta! – <bradava>/gritava\ o inglez – Homem! vocemecê não ver impossivel este resultado<, homem> !

– Não quero saber de historias. Ahi está papel, trabalhe, e emende.

– Este sñr tem rasão – <e>/i\ntreveio [1 interveio] o pequeno, apontando para o inglez.

Encararam ambos no rapaz, <e lhe> [↑q̃], antes de ser interrogado, continuou:

– <Aquel> Os senhores fazem conta ambos ao florim de cambio que vale dez soldos communs; mas a differença está em q̃ o florim deste sñr (indicando o inglez) é o <p>/d\e vinte soldos ou Placas, ou quarenta dinheiros de grosso.

– Oh! – exclamou o britannico – É isso, menino! Vê, vê vocemecê? Brutalidade minha <.>/e\ sua!

– Tem rasão… – accedeu de prompto o negociante, sem desviar os olhos do rapaz <†> mal trajado.

– O menino é caixeiro? – perguntou  <Gui> [↑John] Bearsley.

– Não, sñr; venho da ma terra para me arrumar no negocio.

– Sim? ja tem patrão?

– Não, sñr. Vinha perguntar aqui onde mora este negociante – respondeu Manoel, mostrando <a carta pelo > o sobrescripto da carta.

O mercador portuguez leu, e murmurou:

– Vais mal; é negociante de escada assima; os marçanos la são aguadeiros, e nunca de la sahiu caixeiro com a vida em ordem. Queres tu cá ficar?

     E, ao mesmo tempo o inglez, descurando as boas praticas da cortezia, disse:

     – T<ens>/em\ ja dois patroens o menino que pode<s>  escolher. Este sñr ou <mim. Ser inglez, eu, e precisar mto de quem ser <[↑é]> esperto de contabilidade. Quer> eu. Escolha vocemecê, menino.

     E Manoel Vieira respondeu<1,> sem meditar:

     – O sñr.

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Este senhor apontado era o inglez.

– Bom! – volveu <Guilherme> [↑John] Bearsley – Venha comigo.

     E, voltando-se para o negociante, <perb> disse com fino sorriso:

– Ámanhan cá mando este meu caixiero saldar contas.

Manoel sobraçou a troixa, e seguiu o patrão, que, a <anda-passo> [↑intervalos], parava esperando o rapasinho[1,] q̃ não ousava ir de par com elle.

Dando elle conta <depois> de sua preferencia, entre os dois negociantes, disia na primeira carta a João Verissimo:

 “Desconfiei que o portuguez queria enganar o outro, por isso me agradei menos d’elle; e tambem por que o <patrão> portuguez me fallou com modos brutaes, e o outro com bondade, tratando-me como se eu estivesse bem vestido[1.]”

<Guilherme> [↑John] Bearsley era, áquelle tempo, um dos mais opulentos commerciantes britanicos no Porto, ja neto do primeiro Bearsley que se estabeleceu nesta praça em 1602<, e ascendente de outro do mmo nome que ainda aqui negociava em 1677.>[1.]

A sua caza em Portugal consignava para a de Londres, onde residia seu irmão <Jayme> [↑Roberto], o maior importador de vinhos e exportador de algodoens que então, apesar das tentativas industriaes do marquez de Pombal, fornecia os portos de Portugal e America portugueza.

Ao cabo de um mez de serviço <em> [↑na] caza britannica, Manoel Vieira vestia limpamente, era estimado dos caixeiros que lhe admiravam a humildade, e a nenhuma conta nem fatuidade da destreza com q̃ jogava com os algarismos, <apontando> [↑removendo] com timida modestia as difficuldades q̃ embaraçavam os rudes guarda-livros d’aquelle tempo. Se estes lhe perguntavam qm tão habilmte o exercitára em contas, respondia que seu mestre fôra a Taboada de Garrido, livrinho surra-

[[4]4<5>]

do com q̃ elle estava sempre conversando, nas horas <vagas> [↑fôrras] da aprendisagem do inglez, em q̃ mto o queria industriado <Guilherme> [↑John] Bearsley.

– Logo que o snr Manoel souber inglez[1,] vai para Londres. Preciso <c>/l\a ter quem saiba correntemte as duas linguas – disse-lhe o patrão.

O caixeiro não respondeu; mas deu mostra de ouvir a noticia com descontentamto.

  – Ficou triste? não quer ir? – voltou o inglez.

– Vou para onde vossa mercê me mandar; mas fiquei triste, é verdade, por q̃ o meu bemfeitor está cego, e eu esperava ganhar alguma coisa para soccorrel-o e á sua fama.

– E quem o priva d’isso? Diga qto lhe quer dar, e escreva ao seu bemfeitor que mande aqui receber a sua mezada.

Brilhou o jubilo nos olhos do rapaz. A custo [1 rapaz, que a custo] se conteve que não beijasse a mão de  <Guilherme.> [John.]

– Quanto quer dar-lhe? – voltou o inglez.

Manoel meditou, e respondeu:

– Queria dar-lhe o que elle recebia dos discipulos todos, quando <dava> [↑tinha] escola. Se Vmce achar q̃ é mto, eu, depois, quando tiver ordenado, irei descontando.

– Quanto era isso por mez?

– Trez mil e seis centos reis.

– Pois da-lhe Manoel trez mil e seis centos reis, e dou-lhe eu outro tanto, em premio da boa educação que tão honrado mestre lhe ministrou. Escreva-lhe hoje mesmo, q̃  é dia de correio, e diga-lhe que vai lá passar o natal, e despedir-se; por que <o> Mel Vieira, d’aqui a cinco mezes[1,] hade estar prompto em inglez.

     Desta feita, o respeito não bastou a sofrear-lhe o impulso da gratidão exultante: abeirou-se

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de Bearsley, <e fez o> <de modo> com o geito de quem lhe pedia a mão pa beijar-lh’a.

O inglez, sem lh’o consentir, tocou-lhe brandamte no hombro, disendo-lhe com desacostumada meiguice:

– Hade ser feliz, môço. Olhe que ha duas riquezas : a do ouro [1 oiro] e a da honra. Ás vezes, juntam-se as duas, raras vezes, sim; mas unem-se. Outras, fica a do ouro [1 oiro], q̃ não é nada sem a da honra. Outras vezes, a da honra dá alegrias, que se não compram com o ouro[1 oiro]. Percebe, Manoel? Agouro-lhe que hade ter as duas; mas, se as não tiver, hade ter a que dá a felicidade, quando é sosinha. Tem <quinze>  [↑quatorze] annos. A sua intelligencia é maior que a idade. Digo-lhe isto por que o seu futuro hade ir sempre guiado por estas maximas, e pr que seu excellente mestre lhe preparou o espirito para as perceber. Vá escrever-lhe. [↑(…)] [§] [1 VI][1]

<A carta chegou á Povoa de Lanhoso quando> [­<Em quanto> <[­No dia anterior porem que]> [­Dois dias antes deste em que]  Manoel Vieira escrevia, <1 tremulo de jubilo>]  João Verissimo <acabava de ouvir> [­<estava> ouvia] ler a Eulalia a resposta de uma [↑carta] que seu pai escrevêra ao irmão, ao senhor da caza, pedindo-lhe, em extrema necesside, algum recurso. Desculpava-se o irmão com as más colheitas de pão e vinho; com o gorgulho q̃ dera nas tulhas, com o bicho que comêra os feijoens, com o azedamento dos vinhos tombados nos toneis, com a ferrugem das oliveiras. E, por derradeiro, ajunctava: “Se queres que a rapariga sirva, manda-a para cá; mas tua mulher que me não ponha ca os pes, pr q̃ foi a causa da tua desgraça.”

 – Óh filha! – exclamou o cego agitando-se afflicto[1.]

– Que é, meu pai?

 


(…) <capitulo> VI (Capitulo)

    Dois dias antes, etc.

 


[7] O texto continua na linha imediatamente abaixo mas a chamada (…) para o rodapé indica a mudança de capítulo.

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– Para que lêste essas palavras, estando aqui tua mãe?

– Eu não sabia [↑o q̃ dizia a carta…] – desculpou-se Eulalia.

Luisa soluçava, <afogando>[↑enfreando] as pragas que lhe estalavam do seu [1 lhe esbravejavam no] genio iracundo contra o cunhado. Esta boa creatura, <molher> desde q̃ o marido cegara, nunca mais proferiu expressão que podesse acerbar as tristezas do infeliz. A paciencia d’elle ensinara-lhe a conformidade, ou pelo menos a repressão da colera. Acontecia ás vezes bater com força nos beiços para rebater o <jacto> [↑borbotão] de bilis que lhe <refervia la> [↑apojava de] dentro contra os avaros e crueis irmãos de seu marido. Bem quizera Luisa, neste lance da carta, suffocar tambem <os soluços> [↑a ira]; mas não estava prodigio tamanho em natureza ja tão <sanctamente> nobremente contrafeita[1.]

– Não chores, Luiza – tartamudou o cego – Vem aqui ao pe de mim…

– Não choro, não, homem… – consolou ella, achegando-se com as lagrimas ja embebidas no avental – Vê la se me achas lagrimas na cara!...

– Ah! pobresinha, tu não enganas o coração que te vê mais á luz do ceo do q̃ te viam os olhos! Pois então, se não choras, eu t’o agradeço… Sentai-vos aqui ambas ao pé de mim… Conversemos… Estamos mto pobres?<1...> não é verde?

– Não, João… – acudiu Luiza, – ainda temos que vender…

– E, depois?

– Depois, se houver quem nos dê teias, e se Eulalia poder ajudar-me, q̃ Ds lhe dê mais saude da q̃ tem, tudo se arranjará melhor ou peor.

– Ou peor – replicou, sorrindo, o cego – Esse peor é alguma melhoria q̃ nos faça esquecer a penuria de hoje?... Ora, mas queridas

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almas, ma sancta mulher e ma amada filha, vou-vos abrir [1 vou abrir-vos] o meu coração, e ja pedi a Deus que vos desse força para aceitardes o meu plano. Que acabei eu de receber agora n’essa carta? A recusa da esmola q̃ pedi a um irmão. Ja sei o que é mendigar, e mendiguei á porta de meu irmão, q̃ devia ser a ultima. Qualquer outra, onde eu fosse bater, não me seria fechada tão desamoravelmte. Meu irmão não sabe o q̃ faz. Perdôo-lhe, por q̃ sei que estas más acçoens não se fazem a occultas da divina Providencia. O castigo hade vir para elle, com dores maiores do q̃ estas por onde chegou até nós a miseria. Em fim, Luiza<1,>… está dado o primeiro passo… Vou pedir por portas, vou mostrar a minha cegueira á caridade publica; e<1,> tu[1,] Eulalia, em vez de ires [1 ir] servir teu tio, serás a mocinha de teu cego pai.

Luiza expediu um <ai estridente> [↑grande grito], apertou a testa com as mãos e fugiu da saleta, para desafogar em chôro <q̃> onde o marido a não ouvisse. Eulalia, entretanto, aproximou-se mais do pai, <in>/a\pertou-lhe a mão, beijou-<a>/o\, limpou-lhe o rosto[1,] pr onde resvalavam duas grossas lagrimas, e disse-lhe:

– O pai não hade ir pedir: vou eu sosinha.

– Tu? – accudio João Verissimo – Creança!... Ninguem te daria esmola <por q̃ a>. A caridade quer q̃ a commovam com a velhice, com os aleijoens, chagas, e cegueira. E tu, meu amor, tens mocidade e saude para ganhares [1 ganhar] um caldo a trabalhar desde o romper do sol até ao cantar do galo <em> nas terras e na lareira de al-

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gum lavrador. Ora vai, filha, vai ter com tua mãe, dá-lhe consolaçoens, e dize-lhe que eu a estou ouvindo chorar.

Sahiu Eulalia, e voltou logo disendo [↑ao pai] que estava <na e> á porta o Leonardo Cigano que lhe queria fallar.

­— ­ Que entre... É alguma carta do nosso Manoel [1 Monoel].

     Entrou o almocreve, que havia dado em Braga ceia e cama ao rapazinho. Riam-se os olhos do jovial visinho do cego, sempre grato ao mestre dos seus trez filhos, ja bem encaminhados no commercio.

     — Snr João! — exclamou o Cigano, assim appellidado por ser oriundo da raça vagabunda de bohemios — Boas novas do Manoel!

— Que me diz, snr Leonardo!? viu-o <Vmce > ?

— Foi elle procurar-me á estalagem e deu-me esta carta para Vmce, e maiz <tr>/m\oeda e meia de ouro, que <aqui está> [↑ahi vai. Conte...] O rapaz está rijo e fero, e espigado q̃ <é o> parece ter mais palmo e meio. Se Vmce o visse de rabona e calção atado com fivela, não o conhecia!... Está um pimpão... Ora ahi tem, [↓veja se esta certo o dinheiro...]  e adeus q̃ vou cuidar dos machos... É verdade, Eulalia... <Olha que  esquecia de te dizer q̃ a albard>  <Ja me> Ja me esquecia de te dizer que trago na <<cest>/carg\a trez> [↑entre-carga seis] varas de beitilha vermelha q̃ te manda o Manoel para um saiote e uma [1 umas] roupinhas. Vai la buscal-a, e trata de crescer p’ra [1 para] cazares com elle, ouviste, rapariga? <Deus> [↑Que bem] te fade <bem> [↑Deus], que linda hasde tu ser como a tua mãe! Adeusinho.

     João Verissimo <alegrou-se>  riu da bondosa galhofa de Leonardo, e <chamou> [↑ passou]  a carta a Eulalia para q̃ a lesse, dando ao mmo tempo á mulher o dinheiro com a mão tremente do alvoroço q̃ lhe ia no coração.

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     — Ahi tens, Luiza... É uma esmola que eu não pedi; mas[↑, filha,] vê la, <filha> nessa carta <donde> como é q̃ Manoel  <nos> <nos> pode remetter-nos tamanha esmola.

Manoel referia a conversação que tivera com o inglez, o  destino que seu patrão lhe <queria dar> [↑traçára], <a>/e\, em fim, a dadiva do dinheiro, com a promessa de a repetir todos os mezes. Ajunctava o <menino> [↑caixeiro] que iria passar o natal com o seu mestre, e despedir-se d<a>/os\ s<ua>/eus\ <querida> bemfeitores até quando Deus quizesse[1.]

 João Verissimo tomou nas suas as mãos da esposa e da filha, dizendo-lhes com regiosa [religiosa] suavidade de voz e semblante:

— Vêdes aqui Deus? Vedes o fructo da nossa caridade? Recolhemos ha sete annos um pobrinho. O pão e a roupa, que lhe demos, sobejava-nos. Pequenissimo sacrificio fizemos. Eu dei-lhe tudo que sabia, sem me custar; mas <era> <era>  <o beneficio>  <tambem com> desinteressadamente: era a caride estreme. Depois q̃ ceguei, a pobresa <pouco> aconselhou-me, ou antes forçou-me  a deixal-o ir procurar sua vida. Dizia-me o coração que, <um dia> [↑alguma vez], nosso Senhor me enviaria  <pelo nosso rapazinho> [↑pr Manoel], ja homem e remediado, <o <com> com q̃ Deus retribue a>  a paga da nossa boa acção. Ha trez mezes q̃ <Mel>[↑o menino] d’aqui sahiu esmolando, e elle ahi está entre nós <cum> a cumprir já a missão divina! Minhas filhas, <†> <quando> quem quizer ter a mão de Deus sempre ao alcance das lagrimas, e <a>/o\ <con> balsamo divino ao pe da dor q̃ não se merece, <br> hade  <imitar, qto possa,  a caridade de Jesus, que não tinha onde repousar a cabeça, <e caminhava por en> <*não cessava>> <†> <ser> <ter sempre> interpor entre si e a Providencia algum infeliz d’aquelles q̃ Jesus chamaria para <o seu regaço> o seu lado. A caridade é <a religião toda ms> [↑a felicide dos] que dão e dos que recebem, é...

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Luisa, vendo que o discurso levava fôlego de homilia, atalhou a religiosa expansão do marido, propondo que se accendesse o lume, e se cozinhasse alguma coisa digna de celebrar as alegrias da fama.

 

VII<I>

 

Na ante-vespera do Natal,  <Guilherme> [↑John] Bearsley proveu de bo<n>/a\s  <presentes> [↑consoadas] o caixeiro, mandando-lhe q̃ <o>/a\s <entregasse> [↑repartisse com] <a> seu mestre, <com a> [↑ e lhe assegurasse a] certeza da mezada e outro <maior> [↑qualqr] soccorro q̃ lhe pedisse.

— Demore-se dez dias — disse o inglez — que hade partir para Londres no dia 7.

Quando [↑o môço] assomou á porta da farta cazinha de João Verissimo, <as> e Luiza e Eulalia, atarefadas n<o>/a\s  <cozinhados> [↑iguarias] da <ceia d> <consoada> ceia de natal, expediram <gritos de> exclamaçoens de jubilo, o cego chorou copiosamente por q̃ não podia ver o seu filho. <N<a>/os\ sanct<a>/os\>  [↑Em] <illusão da sua> [↑fervores de]  fé, <João>  pedira com <fervorosa> ancia a Deus o milagre dos seus olhos; se Deus, porém, lhe não alumiara a escuridade exterior, compensara-o com a consolação de sentir-se <estreitado ao seio> [↑apertado nos braços] do menino que tambem chorava <d’onde o cego deprehendeu que <nenhuma cegueira> as lagrimas tamb>. [1§] Resvalaram depressa aquelles poucos dias de felicide. No penultimo, Eulalia pediu a Manoel que lhe escrevesse a ella todos os mezes uma cartinha dentro da q̃ mandava ao pai. Depois, levou-o comsigo aos logares <que mais>  por onde em pequeninos tinham andado: á orla verde do ribeiro, á quebr<d>/a\da do monte estofada <de>[↑de musgos e] fetos, á sombra da carvalheira, <ainda> onde ainda se via um <galho> [↑ramo] vergado pela redouça em que se bamboavam<.>/,\ [quando pequenitos de sete annos.]

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<Na visinhança da caza> [↑Na fregza de Font’ Arcada, perto [1 caminho] da caza] das Agras, onde Manoel Vieira quiz ir beijar a mão do fidalgo, que lhe déra a carta de protecção, e desculpar-se de a não ter aproveitado, viram os dois alegres caminheiros um caçador que vinha ao [↑seu] encontro, com boa matilha de cães.

— La vem o padre Bento da Mó — disse Manoel.

<– Eu o arrenego – acudiu Eulalia

– Porquê? fez-te algum mal?

– A mim não, mas a ti>

<Vamos aqui por esta †. Não quero fallar com elle.> Se elle me tivesse dado a moeda que me prometteu, havia de ficar mto contente pr me encontrar agora.8

— Eu o arrenego!... — exclamou Eulalia.

— Por quê? fez-te algum mal?...

— A mim, não... Eu te contarei... deixa-o passar.

O padre, olhando fixamente o moço[1,] q̃ se descobrira a distancia <respei> de alguns passos, perguntou-lhe se não era o filho da Carlota das Courellas.

— Sou, sim, sñr.

— Então, onde estás agora?

— No Porto, snr padre Bento.

— E vai-te la bem?

— Graças a Deus, muito bem.

— Ja ganhas alguma coisa?                                                      

— Sim, sñr; ja ajudo a viver meu pai.

— Teu pai? — accudiu o padre com  <certa admiração q̃ o denotado grao de velhacaria †>  espanto—  então qm é teu pai?!

Manoel, meditando a rasão da pergunta, respondeu:

— Eu chamo pai ao sñr João Verissimo que me criou e ensinou; outro pai não no tenho, <q̃ sou  rejeitado.>  [↑nem no conheço.] Vmce bem sabe que eu andava a pedir, quando fui dar á Povoa, e la fiquei em caza do <snr João Vera> mestre, e de la sahi a pedir esmola, <por q̃> po Porto, por q̃ meu pai não tinha que me dar...

 


[8] A situação do manuscrito é irreproduzível. A continuação da fala de Manuel é feita nas sobrelinhas do diálogo cancelado, depois de um travessão sobreposto ao ponto final: Manuel<.>/—\.

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     — Bem sei, bem sei... — tornou o padre precipitando as palavras com perturbação deante d<e>/a\<uma crea>quelle menino de doze annos, q̃ o estava involuntariamte véxando — Eu mandei <la> saber [↑á Povoa] se ainda la estavas para te dar a moeda q̃ te prometti...

— Muito obrigado, snr padre Bento. Se vmce m’a tivesse <dado> [↑emprestado] então, eu poderia pagar-lh’a agora. <Olhe>/M\eu <q̃> pai esqueceu-se de me dizer q̃ Vmce mandára o dinheiro...<1,> mas… mto obrigado.

— Não t’o disse, por q̃ chorou mto quando eu lhe li a carta do snr padre — atalhou Eulalia. — Vmce — proseguiu ella voltando-se contra o calumniador do Alferes de Cima-de-villa — dizia-lhe q̃ mandava a moeda por q̃ <não>  queria, e não por que tivesse obrigação de o fazer<.> /;\ <— E não t> mas que o não tornassem a incommodar com peditorios; que vmce não tinha medo de calumnias. Foi como foi.

— Como <a rapariga é espertalhona e espivitad> a espertalhona da rapariga se espivita! — disse o padre com <violento sorriso> [↑sorriso farçola], emqto Manoel encarava n’ella, e ouvia com mta attenção palavras q̃ não intendeu.

E Eulalia, com gesto de aborrecida e porte de mulher ja feita, acrescentou:

— Meu pai, mandou-lhe outra vez a moeda de ouro, e mandou-me escrever <estas palavras> [↑ isto assim:] “Não te escrevo, por q̃ estou cego; e não te respondo [↑á lettra] por q̃ é ma filha q̃ escreve estas linhas. Descança, padre Bento, no <ser d> [↑repouso] da tua consciencia, que eu não te calumniarei.” Foi assim ou não?

— Foi assim, rapariga, foi. E d’ahi?

— <Então> [↑E d’ahi] vamos embora, Manoel, que o meu padrinho das Agras, quando for duas horas, deita-se a dormir a sesta, e depois não lhe podes fallar.

[53]

E, <tomando> [↑tirando] o rapaz pelo braço, seguiu avante, deixando o padre a sentir a vergonha de se ver deante de si proprio um vil.

— Eu não percebi — disse Manoel —  a carta q̃ o padre <escreveu> [↑mandou], nem a resposta q̃ o pai lhe deu.

— Tambem eu não. Contei a minha mãe o q̃ se passou, e ella tambem não intendeu; mas, d’ahi a dias ou semanas, indo eu e mais ella a Rendufinho <buscar miadas> [↑levar uma teia] a caza do tio Tiburcio, tocou á missa, e entramos na <e>/i\greja. N’isto, subiu pa o altar o pe Bento; e ma mãe, assim que o enxergou, ergueu-se e sahiu da <e>/i\greja, dizendo-me:[1;] “Deus nos livre da missa de tal <diabo> [↑padre], que ja está vestido e calçado no inferno[↑, o Senhor me perdôe.]” Perguntei-lhe por quê, e ella só me disse: “Tu o saberás, quando fôres grande”. Estou morta por ser grande — ajuntou Eulalia accentuando mui gravemte as palavras.

Manoel foi indo mto recolhido em pensamentos que lhe não esclareciam nada, até que avistaram <o>/a\ <quinta> [↑ caza] das Agras, onde foi contar as suas fortunas aos Ferreiras de Mello, abraçando <pelos> respeitosamente o menino q̃ <lhe dera os seus primeiros fatos, quando elle apenas er> o vestira com os seus fatos quando[1,] aos seis annos, despia os  farrapinhos das primeiras calças de estopa com que atravessára <dois> [↑alguns] invernos, invejando o aconchêgo q̃ tinham á lareira os caens perdigueiros do padre Bento da Mó.

<D> <Sem calcular a inconveniencia de> Mui naturalmente disse Manoel ao cego q̃ havia encontrado o padre Bento, e repetiu o dialogo que tiveram, e a intervenção azougada de Eulalia. João Verissimo ouviu-o inquietamte, receoso de <lhe>/ser\ interrogado pela justa curiosidade do rapaz; Luiza, porém, acenando a Manoel que se calasse, e distrahindo

[54]

 

a attenção do marido, se obstou a perguntas, augmentou suspeitas, de qualquer coisa extraordinaria, no <assomo  vivissimo> [↑espirito atiladissimo] do môço.

<Na> [↑N’aquelle dia,] vespera da sahida de Manoel Vieira pa o Porto, appareceu o Alferes de Rendufinho em caza d<o>/e\ <cego> [↑ João Verissimo], afim  de <contar ao condiscipulo do padre> lhe dizer que, depois de grandes deligencias [1 diligencias], não podera mover o irmão, <de Verissimo> [↑senhor da caza,] a dar-lhe algum soccorro. Nesta commissão andára dois mezes empenhado o Tiburcio com outros amigos, ignorando q̃ o desvalido cego vivia remediado com a esmola do patrão de Manoel.

Escutou-o com alegre rosto João Verissimo, e disse-lhe:

— Eu ja não receio a fome da ma familia, snr Tiburcio. Aqui está o meu filho Manoel q̃ nos <sustenta> [↑tem] ha dois mezes fartos e felizes. <Deste menino é o>

— Este rapaz, [↑—] disse o Alferes com a mais <†> desafrontada naturalide — não é o filho do padre Bento da Mó?!

João Verissimo abriu a bocca arquejante, e não respondeu. Manoel pregou os olhos no rosto do cego, esperando resposta.  Eulalia <expediu um[a]9 ah prolongado> [↑soltou uma exclamação de espanto] e encarou no moço. Luiza bateu com a mão na  testa, e tregeitou, <banboando> dando  a[os]  <cabeça>  hombros, como a dizer ao <a>/A\lferes que <fizera> [↑commettêra] uma dolorosa imprudencia.

Tiburcio, que não percebeu a indecencia do dito, nem <o> [↑achou o]  caso para tamanhos <espantos> [↑escarceus], insisti<a>/u\:

— Homem, eu ja lhe disse a vmce o q̃ ouvi dizer á Carlota das Courellas. O pai deste rapaz é o padre Bento; mas — proseguiu, derigindo-se [1 dirigindo-se] a Manoel — não te dou os parabens;

 


9 um[a]:  a palavra não foi cancelada; inicialmente Camilo pensou aproveitá-la, acrescentando o a, para a frase substituta (uma exclamação), mas acabou por sobrepor-lhe um novo uma.

[55]

melhor te iria se fosses filho de um jornaleiro.

— Snr Tiburcio — atalhou João Verissimo<―> [↑muito afflicto ―] peço-lhe o favor de se calar. Manoel é meu filho. <Vai <de> em nome de Deus> [1§] <1—> E, voltando o rosto para onde julgava q̃ estivesse o rapaz, disse-lhe: [1§]— Vai despedir-te do Leonardo Cigano, meu filho; e tu Eulalia, vai com elle.

Assim que os pequenos sahiram, <p>/c\ontinuou o cego:

— Snr Tiburcio, desculpo-o da magua q̃ me cauzou, por q̃ eu não tive occasião de lhe dizer q̃ este rapaz ignorava qm fosse seu pai.

— E q̃ tem q̃ o saiba? — perguntou o <alferes> [↑lavrador], cruzando os braços, e batendo no sôlho com os tacoens [1 tacões ferrados] das botas.

— Eu lhe digo, <caro am> snr Tiburcio. Publicar que o padre é pai deste menino é fazer mal ao padre sem fazer bem ao rapaz. <Evitam-se> [↑Escondam-se os] escandalos, quando o descobril-os não produz beneficio a alguem; e mto mais se devem esconder qdo <resulta<[m]>> [↑disparam em] prejuiso de um homem e descredito de uma classe <em divulgal-os>. Ha muitos padres bons a quem a ignominia do máo padre iria affligir. Depois d’isto, devo dizer-lhe q̃ me creei nas aulas com o Bento, foi meu companheiro de quarto seis annos, em Braga, não posso nem devo ser o pregoeiro dos seus erros, nem o censor dos seus peccados; como amigo, não devo; como homem e peccador, falta-me a auctoridade de juiz. Isto pelo q̃ respeita ao padre; agora, qto ao meu Manoel, não queria eu q̃ elle, tanto no começo da vida, soubesse q̃ ha maldades grandes neste mundo, e q̃ ha um pai q̃ viu seu filho

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a pedir-lhe esmola, e a cobrir o corpo nu com farrapos de estopa, e a dormir debaixo dos alpendres, quando os caens dos lavradores o não corriam. Não queria eu, snr Tiburcio, q̃ este menino soubesse que foi creado tão desamoravelmte [1 desamparadamente] como um cãosinho encontrado á beira do caminho, farejando por instincto o aconchêgo da mãe que ja não vive. Agora que elle sabe q̃ o padre Bento é seu pai, hade fazer-me perguntas; e eu, ou lhe heide mentir, ou responder de modo q̃ elle vá d’aqui a sentir que ha infamias de baixo do ceo e que Deus permitte dar-se em coração de filho <a>/o\ <ras> fel do odio contra seu pai. Que vem a ganhar com isso o Manoel? De minha caza sahiu elle, conhecendo somte a pobreza <honrada>; mas a pobreza honrada. Isto não abate o animo nem o irrita contra a ordem do mundo; mas o <sentir-se filho> saber q̃ sua mãe morreu <deshonrada> [↑diffamada]  e miseravel, repulsa de parentes e amigas, por cauza de servir as paixoens brutaes de um homem q̃ não perdoou ao seu filho innocentinho as fragilidades da mãe, sua victima, isto, snr Tiburcio, é máo fermento para se atirar ao coração nobre de um rapaz de <quinze> quatorze annos. A tristeza e a indignação principiam desde ja a desfazer-lhe na candura com q̃ elle entra as portas da vida <em excepção de> ...

— Mas elle algum pai havia de ter... — interrompeu o Alferes de Cima-de-Villa, depois de ter franzido <algumas> [↑pr]  vezes a testa, significando o desgosto q̃ lhe estava cauzando o palavriado confuso de João Verissimo. [§] E como o interlocutor não

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redarguisse promptamente, insistiu:

— Elle algum pai havia de ter, tanto monta q̃ fosse o padre, como outro da mma raça. Sabe Vmce q̃ mais, padre João?

— Não me chame padre ao homem, ó tio Tiburcio! — atalhou Luisa.

— Deixe-me chamar-lhe padre, mulher, em qto elle prégar sermoens da laia desse q̃ ahi prégou agora. Mas sabe vmce que mais? Eu não percebo la as indrominas da sua moral. Eu, no seu logar, disia ao rapaz: “queres saber qm é teu pai? é o padre Bento; ora agora, faz[e] de conta q̃ elle é como os <caes> lobos q̃ não conhecem os seus caxorr<i>/os\<nhos>, e por isso ás vezes são mordidos por elles. Faze de conta q̃ esse homem não te é nada; mas sempre fica sabendo q̃ [1 q̃ te] é preciso seres [1 ser] honrado se não te queres parecer com teu pai.” Isto é que eu lhe disia, e tanto me importava que o padre Bento tivesse <mais> [­menos] confessadas e menos missas, como q̃ o diabo o levasse para a beira dos outros padres [1 padres como elle] q̃ la tem nas profundas do abysmo.

João Verissimo refutou victoriosamte os argumentos do lavrador; mas não conseguiu diminuir a reputação de <tôlo> [planeta] que <estava>  tinha alcançado no animo de Tiburcio. “Planeta” — no vocabulario imaginoso do <a>/A\lferes — era um quase synonimo de tôlo.

Luiza, quando Tiburcio sahiu, foi esperar Manoel, e, chamando-o de parte, disse-lhe q̃ não perguntasse nada ao seu homem, a respeito do q̃ ouvira ao <Tiburcio.> Alferes de cima-de-villa.

A isto respondeu Manoel serenamte10:

 


10 Na margem inferior, a lápis, escrito grosseiramente: (o favor de voltar com as provas), da mão do tipógrafo. A anotação parece significar que o manuscrito seria remetido ao autor juntamente com as provas, para que ele os confrontasse, pedindo o editor a devolução do manuscrito. Não deixa de surpreender que o “recado” se encontre inscrito na margem inferior de uma página que não corresponde nem ao início nem ao fim de nenhum capítulo. Seria de esperar tal inscrição na página de abertura do romance.

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     — Que heide eu perguntar-lhe? Tomára eu não ter sabido o q̃ sei... [↑q̃ é de mais.] Mas olhe, ma mãe, diga-lhe, quando eu me tiver ido embora, que eu so me queixaria de um pai que me desprezasse, tendo-lhe eu [↑o] amor <como> [­q̃] tenho áquelle que me <fez †>  deu o que os filhos mais felises acham no coração de seus pais. <Que me faz assim ter pai q̃ não conhece nem>

     [↑Luiza pediu explicação destas phrases, e sentiu o desvanecimento de as ouvir explicadas por sua filha.  <Mas não obstante>11  É certo que a esperteza natural não consente, aos <treze> [↑quatorze] annos, as innocencias q̃ a gente imagina. Eulalia intendeu, mais depressa q̃ sua mãe, que Manoel, sendo filho de padre Bento, não lhe tinha amor de filho nem se doia da crueldade do pai.

<Apezar das cautelas de Luiza> Eram louvaveis, e todavia inuteis as cautellas de Luiza.

João Verissimo, quando estava a só com Manoel, fallou-lhe assim:

— Ouviste hoje, meu filho, uma triste novidade, que eu nunca te daria. <Es> Sabes ja quem é teu pai.

— Sei... — murmurou Manoel, beijando a mão do cego, que o estreitou ao peito.

— Esta novidade perturbará as alegrias da tua mocide, Manoel [1 filho] ? O teu coração soffrerá por que tens pai a qm não podes dar este <sagrado> [↑doce] nome?

— Não, sñr; eu não soffro nada por isso — respondeu o moço com a voz estremecida de lagrimas.

— Não? mas por q̃ choras então, Manoel?

— Choro com pena de minha mãe... Eu queria que ella vivesse... ou q̃ não tivesse morrido tão desgraçada...

Manoel deixou [1 deu] largas á torrente das la-

 


11 O início de frase cancelada está na linha seguinte. Foi aberto parágrafo, de que entretanto o autor desistiu.

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grimas, que  tinham em si <um agradav> a doçura da saudade vaga, <q̃ por amor de p> mas doridamte sublime, pela sua mãe q̃ não conhecêra.

Os orphãosinhos, a qm Deus no decurso d<a>/e\ vida funesta deu intendimento d<o>/a\s caricias de mãe q̃ não conheceram, são os q̃ mais do intimo da alma as choram. Quando o amor vibra os preludios das grandes paixões, e a mulher-esposa nos dá um ideal da mulher-mãe, então sentimos q̃ á nossa cadeia de felicidade faltaram os melhores elos, e que dos primeiros annos da vida nos não ficou memoria alguma suave. E como hade imaginar-se <um  dia feliz> quinhoeiro d<os>/as\  <*sucessos bons da alma>  boas coisas deste mundo quem não passou a infancia ao alcance da vista amorosa de sua mãe?

     Manoel, o angelico espirito creado ao calor do honrado coração d’aquelle cego, choràva então com os olhos da alma postos no catre em q̃ sua mãe expiràra. E logo q̃, á beira desse grabato, elle não imaginava o homem, q̃ lh<i</e\ mostravam como pai, tal homem devia ser-lhe pouco menos de odioso.

[60]

VIII

     A caza commercial dos Bearsley, em Londres, no Porto e na India ingleza assentava sobre bazes de opulencia herdada na correnteza de trez seculos. Um [1 O mais velho] dos trez irmãos, <William> [↑Roberto] Bearsley, era áquelle tempo um dos vinte e quatro directores<1,> da Companhia da India, residentes em Inglaterra. Esta directoria representava então a maxima importancia da riqueza aliada á honra. O terceiro irmão, Jayme, residia em Bengala, <fazendo parte da> dirigindo e explorando o veio <rico> mais rico dos avultados haveres da caza Bearsley.

Manoel Vieira entrou na caza de Londres, por tanta maneira recommendado, que desde logo lhe assignou <William>  [↑Roberto] ordenado mais avantajado, sob condição de leccionar no seu idioma os outros <escp> escripturarios da caza,  e receber d’elles o que lh<es>/e\12 [1 lhes] faltava na pratica da lingua ingleza.

Affeiçoou-se-lhe particularmente o primeiro-guarda livros, de nome Johnson, <mancebo> homem de meia idade, cortez, e de porte indicativo de mto <esmerada condição de sangue,> [↑selecta linhagem], e <aspiraçoens>  [↑tendencias] a outra mais nobre occupação social. O pae deste guarda-livros acabára desastradamente; porém, herdára a seu filho nobilissimo nome.[§] Passára assim o caso triste, mto fallado em Londres, quando Manoel Vieira ali chegou. O conde Ferrer, fidalgo de primeira ordem e par do reino, desbaratára o mais grosso de sua grande caza<1,> em libertinagens. A requerimento de

 


12 lh<es>/e\: o e final, emendado sobre es, foi  sobrecarregado com traço grosso e pode confundir-se com um s.

 
 
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